O crescimento econômico chinês
iniciado no fim da década de 1970 tem sido objeto de extensa análise para
intelectuais. Dentre os diversos tópicos estudados, um de grande destaque é a
participação dos empreendedores chineses na nova economia que surgiu após a
reforma da economia planificada. Este empreendedor que emergiu com as reformas
econômicas cumpriu um duplo papel, por um lado, eles foram responsável por
provocar ondas de inovações (através, principalmente, da adoção de novas tecnologias desenvolvidas
pelos países centrais) e, por outro lado, eles cumpriram o papel de criar e
moldar novas instituições que são peculiares a economia capitalista e,
portanto, não existiam na China de Mao Tse Tung.
A
importância do agente empreendedor já faz parte do escopo de estudo das
ciências econômicas desde os primeiros trabalhos desenvolvidos pela escola
fisiocrata, em especial, nos estudos de Richard Cantillon. A partir de então,
a matéria desenvolveu-se e tomou um
corpo teórico mais solido graças ao trabalho de economistas como Jean-Baptiste
Say, Schumpeter e Edith Penrose. No entanto, as análises tradicionais do
agente empreendedor falham em capturar algumas determinadas peculiaridades do
empreendedor chinês.
Na
China, a existência de agentes empreendedores é, em perspectiva histórica, uma
novidade. Durante o período 1949-1978, o controle estatal sobre a alocação de
recursos bloqueou qualquer tentativa de empreendedorismo dentro dos limites da
lei. As únicas opções disponíveis encontravam-se no mercado negro e,
geralmente, buscavam explorar alguma ineficiência do planejamento central. A
partir de 1978, mudanças institucionais e constitucionais abriram espaço para a
ação da iniciativa privada. Porém, a relação entre empreendedores e as reformas
econômicas não ocorreu de forma linear ou unidirecional. Pelo contrário, uma
vez que a economia em transição obrigou
empreendedores a desenvolver novas maneiras de fazer negócios, o agente empreendedor
tornou-se, ao mesmo tempo, causa e efeito. A este tipo específico de
empreendedor, deu-se o nome “Empreendedor Institucional”.
Em
sua busca por estabelecer uma empresa bem sucedida, o empreendedor
institucional derruba velhas instituições e estabelece novas, beneficiando toda
a sociedade. A teoria estabelece quatro diferentes formas em que este processo
pode ocorrer:
1) Empreendedores
podem defender, abertamente, uma causa (este, obviamente, é o menos seguro
dentre todos os métodos).
2) O
segundo método consiste em usar seu poder de influência para convencer pessoas
de dentro do governo a mudar a legislação.
3) Convencer
o governo a criar exceções a regra. Este método é, geralmente, utilizado por
empresas de grande porte e que desempenham papel de fundamental importância
para a economia como, por exemplo, os setores de alta tecnologias.
4) Empreendedores
institucionais freqüentemente transgridem as leis e criam grandes empresas. Uma
vez que essas empresas atingem um determinado dinamismo e os efeitos sociais
(renda, emprego, impostos, e etc.) são grandes demais para serem ignorados, o
governo encontra-se forçado a aceitar mudanças.
Nas
décadas de 1980 e 1990, empreendedores institucionais emergiram sob diferentes
formas. No início da década de 1980, Comunas e Brigadas rurais foram
autorizadas a entrar no mercado de manufaturas. Como conseqüência,
investimentos na indústria de bens de consumo aumentaram dramaticamente. A
partir de meados da mesma década, investidores privados foram, também
autorizados a participar do processo de industrialização. Os resultados da
participação do capital privado são evidentes em grande parte da região
costeira, em especial na cidade de Wenzhou, considerada o berço da economia
capitalista na China. Finalmente, no final da década de 1980 o governo
reconheceu a legitimidade do capital privado e a partir de seguidas reformas no
sistema fiscal, em empresas estatais e nos sistema financeiro e monetário o
empreendedorismo ganhou fôlego. Mais uma vez, é importante frisar que este
movimento não foi unilateralmente promovido pelo governo. As diferentes formas
sob a qual empreendedores emergiram nos anos 1980 e 1990 apenas exemplifica o
cabo de guerra entre empreendedores e os arranjos institucionais.
Recentemente,
estudos quantitativos procuraram estabelecer os determinantes que impulsionam o
empreendedorismo na China. Dentre os mais diversos fatores levantados, os
autores parecem concordam em dois pontos: o valor atribuído ao trabalho e a
importância da convivência em um ambiente que incentive o empreendedorismo.
Outros determinantes como educação, taxa de desemprego e ambiente institucional
possuem um peso menor na equação.
Outro
fator determinante para o nível de empreendedorismo, e que não aparece na
maioria dos estudos quantitativos, é o nível de desenvolvimento da economia. De
acordo com a teoria, os níveis de empreendedorismo tendem a ser altos durante
as primeiras etapas do desenvolvimento econômico porém tendem a cair a medida
que a economia cresce. A partir de um dado grau de desenvolvimento, os níveis
voltam a subir graças a dinâmica industrial e o crescimento do setor de
serviços, que possui menor barreiras a entrada. Desta forma, empreendedorismo e
crescimento econômico são, inicialmente, negativamente correlacionados.
Entretanto, a partir de um dado momento a correlação passa a ser positiva.
Seguindo esta lógica, acredita-se que, atualmente, a China esteja em um momento
de transição entre o período de baixo empreendedorismo e as taxas crescentes
que seguem o desenvolvimento econômico.
Como
conseqüência da necessidade de mais empreendedores (especialmente em setores de
alta tecnologia), o governo chinês passou a investir na criação de High Tech
Parks. Dentre estes parques, o de maior destaque é o Zhongguancun
localizado na capital chinesa. Além de servir como base para empresas
multinacionais, estes parques fornecem estrutura e incentivos para
empreendedores, em algo parecido com as incubadoras de empresas existentes no
Brasil. O maior sucesso já produzido por este tipo de parque na China é,
provavelmente, a Lenovo Group Limited, que será um dos temas abordados na
segunda parte desta análise sobre o empreendedorismo chinês.
João Ricardo Trevisan de Souza
