No final dos anos 90, ouvi do ex-presidente do Banco Central Gustavo
Loyolla que ele era um “jurista” – explicou: defensor dos juros altos.
É o mesmo que um
médico se autodenominar “antibiotiquista” – defensor do antibiótico para
qualquer circunstância. Juros e antibióticos são adequados para algumas
circunstâncias, não para todas. Mas Loyolla se denominava “jurista” para
qualquer circunstância.
No BC, era
especialista em normas, não em macroeconomia. Assim como o ex-MInistro da
Fazenda Maílson da Nóbrega nunca foi. No entanto, mesmo não sendo pensadores,
jamais tendo desenvolvido trabalhos teóricos de peso sobre o tema – como, por
exemplo, Pérsio Arida e André Lara Resende, Yoshiaki Nakano e Chico Lopes –
tornaram-se as fontes mais ouvidas pela imprensa especializada.
A atual crise
econômica levou a um duro balanço nos Estados Unidos sobre as razões para a
opinião pública e especializada não terem previsto o maremoto que se
avizinhava. E constatou-se o uso indiscriminado de especialistas acadêmicos
contratados para dar uma vestimenta “científica” a teses cujo único objetivo
era a de favorecer grandes investidores.
Em geral, eram
acadêmicos notáveis, premiados, com teses sofisticadas – embora falsas.
No Brasil, esse
jogo de legitimação do mercado se deu com personagens brandindo argumentos
primários.
Anos atrás, por
exemplo, o IBGE soltou um estudo mostrando que 55% dos aposentados e
pensionistas eram arrimo de família, graças ao aumento do salário mínimo.
Significava que,
além de amparar seus aposentados, o aumento do SM permitiu grandes avanços na
educação, saúde, segurança pública – ao impedir que as famílias se
desagregassem, por falta de recursos, seus membros ficassem subalimentados,
doentes, as crianças não frequentassem escola e acabassem nas malhas do crime
organizado ou de rua.
Em vez de celebrar
esses efeitos, a Tendências Consultorias incumbiu um de seus economistas, José
Márcio Camargo, de refutar a tese. Camargo pegou então um ex-aluno – que
trabalhava no IPEA – e escreveram, juntos, um trabalho tentando demonstrar que
o aumento do salário mínimo aumentaria a propensão à vagabundagem por parte dos
dependentes de aposentados.
O trabalho não
conseguiu demonstrar nenhuma das hipóteses pretendidas. Nas famílias com
aposentados era maior o número de jovens estudando, menor os que nem
trabalhavam nem estudavam.
No entanto, o
trabalho terminava atropelando suas próprias constatações e dizia-se, nas
conclusões que, embora não comprovado, havia indícios de que as teses eram
corretas.
Hoje em dia, há
consenso entre os pesquisadores sérios de que grande parte do avanço econômico
brasileiro nos últimos anos se deveu à formação de um novo mercado de consumo,
impulsionado pelo Bolsa Família, aumento do salário mínimo, e programas sociais
como Luz Para Todos, Pronaf, saneamento básico.
Essa talvez seja a
face mais atrasada do país, economistas brandindo um suposto discurso
internacionalista – como se representassem a modernidade – e, no entanto, sendo
tão anacrônicos quantos o pensamento mais atrasado da Velha República.
Texto de Luís
Nassiff, publicado orginalmente no Blog do Nassiff.
