Luiz Gonzaga Belluzzo
Nos anos 1990, Paul Krugman vergastou
as manifestações antiglobalização. Ironizou os que clamavam contra a
concorrência das manufaturas baratas e cada vez mais qualificadas produzidas na
China e adjacências.
Em meados dos anos 2000, em artigo
intitulado “The Big Squeeze”, Krugman deu marcha à ré.Reconheceu que em outros
tempos a economia americana oferecia empregos de boa qualidade, que não
tornariam os trabalhadores ricos, mas lhes concederiam rendimento de classe
média. Os bons empregos eram proporcionados pela grande empresa manufatureira
americana, especialmente pela indústria automotiva.
Durante os anos 1990, escreveu
Krugman, ainda era possível sustentar que o aperfeiçoamento educacional e o
melhor treinamento poderiam restaurar a capacidade de criação de empregos mais
bem remunerados na economia americana. Era o argumento da “empregabilidade”.
Depois da desinflação da “bolha tecnológica” em 2000, os trabalhadores de
colarinho-branco ficaram tão expostos aos programas empresariais de
enxugamento, busca de fornecedores externos e transplante de fábricas, ou seja,
à concorrência dos operosos e preparados chineses e indianos, quanto estavam os
desditosos assalariados de macacão.
Como é habitual nos debates
econômicos, a maior dificuldade é desvendar o óbvio. Na era da predominância
americana, a estrutura do comércio é moldada pela estratégia competitiva da
grande corporação internacional empenhada em criar plataformas produtivas nas
regiões de menor custo relativo.
No caso dos EUA, as alianças
estratégicas e a distribuição espacial da produção ensejaram dois fenômenos
gêmeos: 1. A concentração do investimento e da capacidade produtiva
“exportadora” nas áreas de menor custo e de maior perspectiva de expansão. 2. A
fratura entre a economia territorial americana e o projeto “internacionalista”
de seu sistema empresarial.O aguçamento da concorrência deflagrou, ademais, uma
onda de fusões e aquisições como forma de enfrentar a intensificação da
rivalidade. Desde os anos 1980, apoiada na escalada dos preços nos mercados de
ações, foi impressionante a intensificação do processo de concentração e
centralização do capital, sobretudo nos EUA.
Na aurora do século XXI, a
concorrência capitalista mostra a sua verdadeira natureza: a intensificação da
rivalidade entre as grandes empresas é estimulada pela expansão do crédito e
pela mobilidade do capital financeiro. Sob os auspícios do Estado Nacional
americano, capturado pelos poderosos lobbies empresariais e da finança, as
corporações lançam-se com fúria às megafusões e à ocupação das regiões mais
“amigáveis” ao desenvolvimento das estratégias competitivas.
Há simultaneamente dinamismo e
estagnação, avanço vertiginoso das forças produtivas em algumas áreas e
setores, combinado com a regressão em outras partes. Até mesmo os estudiosos
mais conservadores reconhecem que não vivemos num mundo bem-comportado de
vantagens comparativas, mas sim num ambiente global em que prevalecem as
economias de escala e de escopo, as externalidades positivas criadas pelas
políticas governamentais. São esses os determinantes das estratégias de
ocupação e diversificação dos mercados, conglomeração e acordos de cooperação.
O propósito da competição monopolista
é o de assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base
produtiva da grande empresa e o “livre” acesso a mercados. Apresentadas como
benéficas à liberdade de comércio e à difusão do progresso técnico, as “novas”
formas de concorrência escondem, na realidade, o contrário: um aumento brutal
da centralização do capital, da concentração da riqueza e do progresso
técnico.Na turma dos aspirantes ao Primeiro Mundo saíram-se bem os que souberam
atrelar, de forma ativa e inteligente, os projetos nacionais de desenvolvimento
à nova configuração da economia mundial proposta pelas multinacionais.
Entre estes, os mais bem-sucedidos
foram os que promoveram o crescimento e a internacionalização das suas próprias
megaempresas, como o Japão, a Coreia, Taiwan e, agora, a China. Abertos ao
investimento estrangeiro, os chineses usaram o seu poder de negociação para
exigir dos investidores forâneos o compromisso de se abastecer no mercado
doméstico e transferir tecnologia às empresas locais. Isso, além de distribuir
incentivos às exportações e administrar a flutuação da taxa de câmbio.Os
processos de transformação do capitalismo descritos acima são, em geral,
ignorados quando se pretende designar a mudança ocorrida nas últimas décadas,
mediante a expressão vazia “globalização”. Seus resultados negativos têm sido
assinalados pelos críticos, que costumam acentuar as características mais
perversas da concorrência predatória (competition at the bottom): o conflito
entre a criação de empregos nas regiões de baixos salários e a destruição de
empregos em outras partes, o que configura perspectivas sombrias para os países
que entram no jogo com a escalação errada.
