Para entender as planilhas do BC As planilhas do Banco Central,
que condicionam as taxas de juros, visam dois objetivos
principais:
1. Taxa de juros de equilíbrio: é aquela taxa necessária para
fazer convergir as projeções de inflação do mercado para as metas
de inflação fixadas pelo BC. A partir dessa taxa criou-se o
conceito de "taxa de juros neutra", que é a taxa real (isto é,
descontada a inflação projetada) que seja justa para manter as
expectativas inflacionárias coladas na meta de inflação.
2. Taxa de juros que permita aproximar o crescimento do PIB do
chamado PIB potencial (que representaria o limite de crescimento
da economia sem provocar saltos inflacionários).
O presidente do BC Alexandre Tombini está se baseando no segundo
conceito para acelerar a queda da taxa Selic.
Teste do pudim
É curiosa a matemática econômica. O macroeconomista sempre trabalha com os grandes agregados - isto é, a soma de todos os elementos objetos da análise.
O que eles fazem é comparar duas séries estatísticas (por
exemplo, PIB e Selic, ou inflação e Selic) e tirar correlações
mecânicas. Não se preocupam em entender os números, em desagregar
os fatores de influência na inflação e no PIB. É número contra
número e a planilha promovendo o casamento.
Mas existem formas de comprovação empírica, para saber se os
conceitos brandidos são sólidos ou não. Basta analisar o mundo
real e tentar entender como os fenômenos analisados ocorrem no
âmbito da microeconomia. Se não tiver lógica no ambiente micro,
não terá no ambiente macro. É a chamada prova do pudim.
Vamos a um exemplo simples, que já relatei aqui.
O primeiro a levantar a ideia da taxa de juros de equilíbrio foi
Pérsio Arida, em um discurso na cerimônia em que foi agraciado com
o título de Economista do Ano pela Ordem dos Economistas de São
Paulo. Disse que era uma taxa real de 8,5%.
Indaguei dele como ocorria esse movimento na cabeça do remarcador
de preços.
Sua explicação: as grandes empresas têm poder de mercado; então,
o remarcador olha a inflação futura prevista e compara com a taxa
de juros longa; se a diferença for inferior a 8,5%, ele remarca
preços.
É evidente que esse remarcador é totalmente improvável, não
existe no mundo real. Logo a explicação é falsa. Mas existe a
correlação? Agora o BC pediu aos analistas de mercado para abrirem
suas planilhas. Minha opinião: quando vem um economista e diz que
a taxa de equilíbrio é 6,5% e outro rebate que é 4%, são meros
chutes, embasados em planilhas que estabelecem correlações
inexistentes entre as séries comparadas.
As formulações de Pérsio não passaram na prova do pudim.
Selic e mercado de
crédito
Vamos à prova do pudim dos dois métodos de definição do nível das
taxas de juros: a relação expectativa de inflação/meta de inflação
e a do PIB efetivo/PIB potencial.
O elemento central de aproximação dessas curvas é a taxa de
juros. Nas economias centrais, o modelo de funcionamento das metas
inflacionárias é simples:
1. Se as expectativas inflacionárias estão muito acima da meta,
aumenta-se a taxa básica. 2. Imediatamente ocorrem dois efeitos
simultâneos: o crédito na ponta fica mais caro, reduzindo o
consumo; ocorre uma queda no valor das cotas dos fundos de renda
fixa, deixando os poupadores "mais pobres" e mais cautelosos.
No caso do Brasil, o canal de transmissão da Selic --> mercado
de crédito está totalmente obstruido.
Já demonstrei aqui.
Uma elevação de 1 ponto na Selic tem efeito irrelevante na taxa
de juros da ponta - que chega a 3% ao mês. Corresponde a 0,08% ao
mês. Num financiamento de 24 meses, a 3% ao mês, significa
aumentar o valor da prestação de R$ 59,05 para R$ 59,56.
No caso de capital de giro de empresas, o impacto seria de menos
de 0,2% no custo final do produto.
O único efeito da Selic é sobre os investimentos, já que impacta
diretamente a taxa de retorno reduzindo o volume de investimento
privado.
As correlações malucas
Quais seriam os mecanismos que estabeleceriam essa correlação
entre Selic e PIB potencial ou Selic e metas inflacionárias?
Se existirem, são os mais tortos possíveis, um método que, na
medicina, poderia ser comparado às velhas sangrias para reduzir a
pressão do doente.
Assim:
1. O PIB está supostamente crescendo acima do PIB potencial. Isto
é, a produção interna está acima da capacidade produtiva.
2. Aumenta-se a Selic.
3. O único efeito da Selic é reduzir os investimentos privados.
Então, em vez de aumentar a oferta para equilibrar a oferta com a
demanda, faz-se o contrário: um movimento para derrubar a demanda
através da redução dos investimentos, que poderiam garantir a
melhoria do PIB potencial. Desestimula-se o investimento produtivo
para reduzir a demanda imediata - método mais anacrônico que a
sangria.
Um segundo processo, mais daninho ainda, é o seguinte:
1. Aumenta-se a Selic. Com isso há um aumento da dívida pública,
dos juros a serem pagos, exigindo maior superávit primário para
contrabalançar.
2. Para aumentar o superávit, o governo corta despesas com saúde,
educação, com investimento. Com isso, derrubam a atividade
produtiva, desaquecendo a economia.
Se esses dois movimentos fossem explicados nos Estados Unidos ou
na Alemanha, seriam motivo de risos.
Aqui os risos vêm apenas dos rentistas, beneficiados com as mais
altas taxas de juros do planeta.
