As "profecias" para 2012 estão dadas. As medianas das informações do
Boletim Focus do Banco Central de 30 de dezembro de 2011, produzidas
pelas opiniões de profissionais altamente qualificados, estão na tabela
abaixo.
Duas circunstâncias são importantes: 1) há um viés informacional a
favor dos "consultores financeiros", que pode ter alguma influência. O
"valor" de mercado do consultor depende da qualidade da sua "consulta".
Ele tem de se esforçar para ser o mais preciso possível, mas não pode se
afastar muito da opinião dos outros. Se todos errarem juntos ninguém de
fato errou. Apenas ignoraram alguma condicionalidade; 2) o número de
condicionalidades não explicitadas que as previsões do Focus implicam
não é enumerável.
Depois de terminar o ano, se as "profecias" diferirem da realidade,
os "desvios" serão facilmente explicáveis, porque tudo o que poderia ter
acontecido já aconteceu, não restará nenhuma condicionalidade. Como
disse J. M. Keynes, em carta ao grande economista e historiador Jacob
Viner, "a experiência mostra que o que acontece é sempre algo contra o
qual nunca nos prevenimos".
Profecias feitas com modelos aparentemente simples, como é o caso,
por exemplo, da "contabilidade do crescimento" (com a qual se calcula o
"produto potencial") envolvem ligações internas que as tornam muito
vulneráveis e têm consequências sobre toda a economia (por exemplo, a
divertida teoria dos ciclos reais) e sobre a política econômica (por
exemplo, a teoria das metas inflacionárias).
A "contabilidade do crescimento" é um exercício de cálculo
diferencial, onde se supõe que as variáveis "trabalho" e "capital" são
bem definidas e independentes, condicionadas por uma função de produção
que revela o limite superior do PIB. Com a função de produção, bem
educada, podemos calcular a contribuição, na margem, de um aumento do
fator "trabalho" e de um aumento do fator "capital". Somados, eles
informam o aumento do PIB que deveria resultar desses dois aumentos.
Acontece que esses incrementos, quando calculados empiricamente, são
sempre muito menores do que o aumento empírico do PIB. A "solução" foi
atribuir a essa diferença o pomposo nome de produtividade total dos
fatores (o que falta para completar o aumento não "explicado" do PIB).
Há dois fatos notáveis sobre essa operação. Já nos anos 50 do século
passado: 1) Herbert Simon mostrou que o sucesso empírico da função de
produção usada (Cobb-Douglas) é o resultado de uma simples manipulação
algébrica da identidade renda global = renda do trabalho + renda do
capital; e 2) Moses Abramovitz, mostrou que as variáveis "trabalho" e
"capital" estão longe de ser independentes e que o "resíduo" (a
produtividade total dos fatores, PTF) era um "saco de caranguejos". Ele a
chamou, com muita propriedade, de "medida da nossa ignorância", pois
"explicava" 80% de variação do PIB, enquanto a soma dos "fatores"
chegava a 20%.
Pois bem, nos últimos 60 anos fizemos muito progresso no refinamento
das definições do "trabalho", a ponto de chamá-lo de "capital humano", e
do "capital", mas avançamos pouco na compreensão da PTF. O recente
"survey" sobre o assunto (Hsieh,C.T; Klenow,P.J. "Development
Accounting", AEJ Macroeconomics, 2, 2010), que analisa as "causas" das
diferenças de crescimento entre as nações, termina melancolicamente:
"Aprendemos muita coisa nas últimas décadas sobre os determinantes
dessas diferenças. Ainda que importantes questões não estejam
resolvidas, particularmente o papel das diferenças do capital humano,
existe um grande consenso que estas dão conta entre 10 a 30% delas; o
capital físico talvez explique qualquer coisa como 10%. As diferenças
entre a produtividade total dos fatores contam a maior parte da
história: talvez entre 50 e 70%", praticamente o mesmo de 1950!
A verdade - continuam os autores - é "que entendemos muito mal,
porque as PTFs diferem. Sugerimos que um aumento da PTF não tem um
efeito apenas no crescimento do PIB, mas pode ter um importante aumento
indireto (previsto por Abramovitz em 1955) no capital físico e humano
pela redução do preço do capital e da educação com relação ao preço do
PIB... Finalmente, sugerimos que a má alocação de fatores entre firmas e
setores industriais pode ser um determinante importante das diferenças
da PTF, mas resta saber quais as forças que levam a essa má alocação".
Como é possível, no início de 2012, que alguém ainda leve a sério a
"previsão científica" apoiada numa função Cobb-Douglas e numa PTF
"inventada", que o produto potencial do Brasil em 2012 é de 3,5%? E que
qualquer "ameaça" da economia de superá-la deve exigir o aumento da taxa
de juros real?
Voltamos a insistir: 2012 não está escrito nas estrelas! Ele será o
que nós, governo e a sociedade, soubermos fazer dele, se tivermos a
coragem e a inteligência necessárias para enfrentar a "má alocação" de
nossos fatores (públicos e privados) e promover políticas que aumentem,
simultaneamente, a oferta e a demanda globais, como é o caso, por
exemplo, dos investimentos em infraestrutura que eliminem rapidamente
gargalos produtivos.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
