O momento é de grande expectativa e volatilidade nos mercados
internacionais. A atenção do planeta concentra-se na zona do euro e
desdobramentos da profunda crise que afeta a região. Embora ainda seja um
desafio desvendar os mecanismos responsáveis pelo fenômeno, um dos
fatores-chave para sua explicação é o alto endividamento de alguns países
europeus
.
.
A capacidade de endividamento é essencial para que um governo
possa desempenhar atividades que demandem recursos superiores a sua capacidade
de arrecadação ou em situações que envolvam um mero descasamento de prazos
entre receita e despesa governamental. No entanto, o aumento contínuo do
endividamento não deve ser entendido como possibilidade sustentável. É preciso
encontrar um equilíbrio entre as necessidades do país e a capacidade para
honrar suas obrigações.
Ao tratarmos da situação brasileira, normalmente nos referimos à
relação entre dívida e produto, analisando aspectos como o seu nível e
trajetória. Trata-se do indicador de solvência mais usual de um país. Uma
interpretação simples e direta nos diria que determinada nação com relação
dívida/Produto Interno Bruto (PIB) pouco abaixo de 40%, caso do Brasil, tem
mais probabilidade de conseguir honrar suas obrigações do que um país com
relação na casa dos 120%, caso da Itália.
Essa conclusão, porém, está longe de ser precisa. Em primeiro
lugar, devemos saber que é praticamente impossível construir um indicador
suficiente para se mensurar a capacidade de pagamento de um país. A relação
dívida/PIB utiliza a informação relativa ao montante da dívida, mas ignora seu
prazo médio e a magnitude dos seus serviços, por exemplo, que são igualmente
importantes para se avaliar os riscos correspondentes.
Além disso, há que se levar em consideração se a comparação se
baseia nos mesmos indicadores. A relação dívida/PIB do Brasil refere-se, mais
comumente, ao quociente entre a dívida líquida do setor público e o produto
interno bruto do país. Já no caso da Itália, como em diversos outros países, o
dado utilizado é geralmente o de endividamento bruto. Portanto, as relações
citadas anteriormente para ambos os países referem-se a conceitos distintos.
Enquanto o endividamento bruto se refere ao estoque de dívida do governo, o
conceito líquido é obtido pela diferença entre a dívida bruta e os ativos
financeiros que o governo detém.
Diante disso, algumas questões se impõem no debate: afinal, qual
dos dois indicadores deve ser utilizado? Essa distinção é de fato relevante?
Começando pela segunda pergunta, vale observar o que ocorreu no
Brasil entre janeiro de 2007 e junho de 2011, período no qual a relação dívida
líquida/PIB caiu 12,4% (5,7 pontos percentuais), enquanto a dívida bruta/PIB
foi reduzida em apenas 1,9% (1,1 ponto percentual). A depender do indicador
observado, pode-se interpretar uma melhora significativa na situação fiscal
brasileira ou que ela se manteve praticamente estável. Fica evidente, portanto,
a relevância da diferenciação entre os indicadores, fato que muitas vezes é
negligenciado em análises mais superficiais.
Quando governos possuem montantes significativos de ativos, é de
se esperar que estes sejam considerados em contrapartida ao saldo da dívida. No
entanto, há que se questionar quais ativos devem entrar na avaliação e por qual
preço. O risco associado aos ativos pode ser elevado e nem sempre isso é
considerado. Outro ponto relevante diz respeito à correlação entre esses ativos
e a capacidade de pagamento do país. Os ativos que contribuem de fato para a
redução do risco de inadimplência são aqueles com baixa correlação, que não se
desvalorizarão em um eventual momento de dificuldade financeira do país.
Por outro lado, vale lembrar que as necessidades de
refinanciamento do governo, de rolagem da dívida, têm por base a dívida bruta.
Assim, em termos de fluxo de caixa, o que importa é o conceito bruto, uma vez
que os pagamentos devidos estão referenciados no montante total do passivo, sem
qualquer dedução associada aos ativos.
No caso brasileiro, a diferença de indicadores tem se situado
entre 15 e 20 pontos percentuais. Trata-se de uma diferença considerável e que
pode ser explicada, basicamente, pelo expressivo crescimento de nossas reservas
internacionais e pelos empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos três anos.
As reservas internacionais do Brasil podem ser consideradas como
ativo de elevadas qualidade e liquidez, haja vista a política conservadora de
aplicação por parte do Banco Central. No caso do BNDES, cremos que a avaliação
se torna mais complexa. Os empréstimos concedidos pelo Tesouro, da ordem de R$
207 bilhões somente entre 2008 e 2010, considerando recursos já repassados,
devem ser pagos pela instituição de fomento, com base, principalmente, na
performance de sua carteira de empréstimos. Nesse caso, é importante que a
análise se estenda para o acompanhamento das finanças do próprio BNDES. Alguns
podem dizer que o risco atual é baixo, mas jamais podem negligenciá-lo.
Concluindo, não há como decidir por um critério excluindo-se o
outro. Ambos revelam informações distintas e que devem ser consideradas em
qualquer análise mais rigorosa sobre a sustentabilidade de uma dívida soberana.
O que se deve ressaltar é que a análise da dívida líquida não pode se dissociar
de uma avaliação complementar sobre os ativos responsáveis por sua redução em
comparação com o indicador bruto.
Frederico Pechir Gomes é economista e
professor de Finanças.
Vinicius Ratton Brandi é professor de
Finanças do Ibmec
