Por Odilon Guedes
A partir da declaração do megainvestidor americano Warren
Buffett, a terceira maior fortuna do mundo, pedindo aumento
dos impostos para os mais ricos nos Estados Unidos, vários
milionários europeus também passaram a defender essa medida
naquele continente. Nesse contexto, o presidente da França,
Nicolas Sarkozy, encaminhou ao Parlamento proposta para que
os ricos que tenham renda anual acima de € 500 mil passem a
pagar uma sobretaxa provisória de 3%.
Esse fato é um bom motivo para discutirmos a carga
tributária brasileira, já que nosso país é um dos mais
injustos do planeta na cobrança da tributação. Os mais
pobres são quem paga, proporcionalmente, mais tributos no
Brasil, e não os ricos.
Nesse contexto, é importante lembrar que há um projeto de
reforma tributária na Câmara dos Deputados que permanece
"adormecido", aliás, como ocorreu com todos os outros
elaborados nos últimos anos no Brasil. O debate em torno
desse assunto no país acaba centrado em grande parte no
aspecto da diminuição dos impostos porque a carga tributária
é alta em relação aos serviços que o Estado oferece. Os que
mais defendem a diminuição dessa carga são os empresários,
baseados no argumento de que pagando muitos impostos seus
negócios são dificultados. Fica praticamente excluída do
debate a maioria da população brasileira e, principalmente,
sua camada mais pobre - proporcionalmente a que paga mais
impostos -, que não tem a menor ideia de quanto eles pesam
no seu bolso.
Winston Churchil dizia que imposto
sobre a herança era infalível para evitar proliferação
de "ricos indolentes"
Estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA) comprovam claramente tal
situação. Segundo um levantamento de 2008, pessoas cuja
renda mensal familiar alcançava até dois salários mínimos
comprometiam 53,9% de seus ganhos com o pagamento de
tributos, enquanto que outras, com renda superior a 30
salários mínimos, comprometiam apenas 29%.
Outro dado de destaque nesse estudo do Ipea: um trabalhador
que recebia até dois salários mínimos precisava trabalhar
197 dias para pagar os tributos, enquanto outro que ganhava
mais de 30 precisava de três meses a menos de trabalho, ou
exatos 106 dias.
Essa situação ocorre porque cerca de 50% da nossa carga
tributária é indireta, isto é, incide sobre o consumo,
atingindo indiscriminadamente toda a população,
independentemente da renda e da riqueza de cada um. A
cobrança da maioria dos tributos vem embutida no preço final
das mercadorias. Vejamos um exemplo significativo:
Um cidadão que ganha R$ 1 mil por mês e coloca R$ 100 de
gasolina no tanque do seu carro está pagando R$ 53 de
impostos. Enquanto outro que ganha R$ 30 mil e abastece o
tanque pelo mesmo valor também paga os mesmos R$ 53, levando
isso à injustiça apontada.
Nos países capitalistas desenvolvidos, ao contrário daqui,
a maior parte da carga tributária é direta e recai sobre a
renda, a riqueza, a propriedade e a herança. Esses critérios
são mais justos do que os existentes no Brasil porque
tributa diretamente quem ganha mais e tem melhores condições
de pagamento.
Segundo dados da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos Estados Unidos a renda
é responsável por 49% da carga tributária. Se comparado com
o Brasil, que é de 19%, naquele país é 150% maior que a
nossa. A média desse tributo nos países pertencentes à OCDE
é de 37%, quase 50% maior que a brasileira.
Sobre a propriedade a carga americana é 10%, cerca de três
vezes maior que a brasileira, que é de 3%. Na OCDE a média
desse tributo é 6%, o dobro da nossa. Em relação ao consumo,
ocorre justamente o inverso. Enquanto na carga tributária
brasileira esse tipo de tributos representa em torno de 47%,
na americana representam 16% e na OCDE ela representa na
média, 37% do total. Esses dados confirmam que nos países
desenvolvidos há muito mais justiça tributária que no
Brasil.
Dois exemplos ilustram as diferenças entre aqueles países e
o Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre a
herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando da morte da
princesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco
inglês cobrou de sua herança o imposto de US$ 15 milhões,
metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos. Naquele
país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores.
Segundo matéria da revista "Veja", publicada em setembro de
2007, o primeiro-ministro inglês Winston Churchil, que
conduziu a Inglaterra na luta contra os nazistas, costumava
dizer que o imposto sobre a herança era infalível para
evitar a proliferação de "ricos indolentes". Por outro lado,
no Brasil, o Imposto Territorial Rural - ITR arrecadado em
todo o ano de 2007 e em todo território nacional, foi menor
do que dois meses de arrecadação do IPTU da cidade de São
Paulo. Esses dados falam por si.
Não há dúvida que esse é um tema delicado e já causou ou
foi pretexto para inúmeras revoluções. Dois exemplos são
significativos. A data nacional da independência americana,
4 de julho, faz lembrar que uma das razões que foram
amadurecendo para o início da guerra de libertação foi a
cobrança de impostos como o Sugar Act (1764), do Stamp Act
(1765) e o Tea Act (Lei do Chá, 1773). No Brasil, a
Inconfidência Mineira, tentativa de libertar o Brasil de
Portugal, que resultou no enforcamento do herói Tiradentes e
no desterro das lideranças envolvidas no movimento, teve
como motivo principal da revolta a "derrama", isto é, a
cobrança de impostos atrasados feita pelos colonizadores
portugueses aos moradores de Minas Gerais.
Diante dessa realidade, é necessário e urgente abrir um
espaço na mídia e na sociedade brasileira para discutir a
enorme injustiça que há entre nós e, consequentemente a
necessidade de aprovação de uma reforma em que os tributos
diretos pesem mais que os tributos indiretos na composição
da carga tributária. Isso significaria uma das formas mais
importantes de redistribuir a renda entre nós.
Finalmente cabe uma pergunta: por que no Brasil os
banqueiros, grande empresários do agronegócio, das empresas
nacionais e multinacionais, não tomam a iniciativa que foi
tomada pelos ricos nos EUA e na Europa, isto é, propõem uma
sobretaxa sobre seus ganhos?
Odilon Guedes é mestre em economia pela PUC/SP.
Professor universitário e membro do Conselho Regional de
Economia-SP. Foi presidente do Sindicato dos Economistas
no Estado de São Paulo, vereador e subprefeito de São
Paulo.
