A partir da reforma econômica do
final dos anos 1970, e as impressivas taxas de crescimento que a seguiram, a
China tem sido alvo de estudos de economistas ao redor do planeta. No início, a
maior parte das pesquisas procurava entender as forças por detrás do rápido
crescimento, entretanto, com o passar do tempo, os efeitos colaterais do
milagre chinês passaram a ganhar mais atenção. Dentre estes efeitos colaterais,
a crescente desigualdade de renda tem sido um dos temas mais discutidos.
Desde a criação da República
Popular da China em 1949, o país sofreu três “crises de desigualdade”. A
primeira teve seu pico ao fim do Grande Salto para Frente, a segunda atingiu o
ponto máximo ao fim da Revolução Cultural em 1976 e a terceira teve início em
1987 e se estende até os hoje em dia. Entre estes três momentos, o atual é provavelmente o mais
grave. Isso porque a desigualdade mostra-se crescente durante um grande período
e não esta associada a nenhuma crise econômica ou política/social como foi,
respectivamente, o caso do “Grande Salto para Frente” e da “Revolução
Cultural”. Além disso, o atual nível de desigualdade, medido pelo índice de
Gini, é o maior de toda a história do país.
A desigualdade de renda pode ser
vista de diferentes perspectivas. Em especial,
desigualdade entre moradores da zona rural e das cidades, diferença de
renda entre as regiões e diferença entre os moradores de uma mesma área/cidade.
No caso chinês entender as diferentes perspectivas é de extrema importância
para a análise devido ao sistema de registro de moradores (conhecido como
Hukou), de acordo com o sistema, cidadãos não podem migrar livremente de uma
região para a outra -assim como da zona rural para a cidade- e, conseqüentemente,
não podem usufruir dos avanços de uma determinada região. Uma das conseqüências
deste sistema são os chamados trabalhadores migrantes (algumas estimativas
sugerem que o atual número de trabalhadores migrantes é de 300 milhões).
Diferentemente de Japão, Coréia e
Taiwan que cresceram sem aumentar o
nível de desigualdade, criando o chamado The east asian miracle (Banco
Mundial 1993), a China, como mencionado anteriormente, passa por um processo de
intensificação da desigualdade de renda. Este processo é similar ao ocorrido na
América Latina e, parece, confirmar a hipótese levantada por Kuznetz (em um
primeiro momento, durante o crescimento da renda per capita, a desigualdade
cresce, entretanto, quando um certo ponto de riqueza é atingido, o nível de
desigualdade começa a cair).
Como dito anteriormente, a atual
“crise de desigualdade” teve início em meados dos anos 1980. De acordo com o
Wang Fang (2011) e Nações Unidas (2006), esta crise coincide com o período em
que vários países, desenvolvidos ou não, começaram a sofrer do mesmo mal. Ambos
os autores também indicam que grande parte deste aprofundamento na diferença de
renda entre ricos e pobres foi causado, ou intensificado, por políticas de
cunho neoliberal. Além disso, as Nações
Unidas, apontam que, durante este período, os governos pouco fizeram para
promover uma distribuição mais igual da renda.
Desta forma, a peculiaridade
chinesa parece ser justamente, o sistema de registro e a conseqüente manutenção
de uma grande parte da população na zona rural. Essa estratégia ao mesmo tempo
em que garantiu a China a possibilidade
de urbanizar-se sem as pressões provocadas pelo êxodo rural, criou uma
sociedade paralela que vive as margens do progresso atingido pelas grandes
cidade. Comparações superficiais entre campo e cidade já são o suficiente para
mostrar o tamanho do drama e segundo Barry Naughton (2007) esse é o fator mais
importante para explicar a desigualdade de renda na China (mas obviamente não é
o único pois a desigualdade dentro da cidade e dentro do campo também é
crescente)
Por fim, Barry Naughton aponta os principais fatores que
intensificaram o processo de concentração da renda: a geografia chinesa, os
investimentos externos diretos centralizados nas zonas costeiras e o legado de
algumas instituições socialistas.
É difícil saber o rumo que as
coisas vão tomar no futuro, entretanto, a tendência sugere que a desigualdade
de renda na China continuará crescendo. O governo chinês tem tomado algumas
atitudes para combater a desigualdade, principalmente no que tange a
desigualdade entre campo e cidade e a desigualdade entre as províncias. Mas os
resultados, por enquanto, não são evidentes e ainda será necessário um grande
esforço para evitar a “america latinização” da China.
Fontes:
Banco Mundial (1993) - “The east asian miracle”
Barry Naughton (2007) - “The Chinese Economy”
Nações Unidas (2006) - “Growing with equity in
East Asia”
Wang Fang (2011) - “The End of ‘Growth with Equity’? Economic Growth and Income Inequality in East Asia”
