Por Assis Moreira | VALOR
Em meio à angústia vivida
pela crise da dívida soberana na zona do euro, parte da elite francesa suspeita
que os Estados Unidos querem destruir a moeda comum europeia.
Um dos representantes mais
expressivos da tese é Jacques Attali, que durante uma década foi o principal
assessor do presidente François Miterrand, o primeiro presidente do Banco
Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (Berd) e hoje figura incontornável
no debate econômico na França. “Os EUA estão determinados a aniquilar o euro
porque querem que o dólar continue sozinho com a única moeda internacional de
reserva”, afirmou Attali.Christian de Boissieu, presidente do Conselho de
Análise Econômica, órgão auxiliar do primeiro-ministro francês, é mais
moderado, mas admite que “muita gente nos EUA gosta de concorrência, mas só até
certo ponto, e certamente (os americanos) não gostam de concorrência de
moedas”.
Já Philippe Moreau Defarges,
vice-diretor do influente Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri)
alerta: “O que provavelmente os EUA querem é uma Europa mais subordinada a
eles”.Attali procura, porém, mostrar que sabe o que está falando, com base em
sua experiência de mais de uma década no centro do poder acompanhando
Miterrand. Ele considera que os EUA estão numa situação econômica “muito pior”
do que a Europa. “O déficit externo, a dívida interna americana, tudo é pior”,
diz. “O desemprego nos EUA não está em 10%, a cifra oficial, mas em 17%, levando-se
em conta quem desistiu de buscar trabalho. Estados americanos estão
falidos.”Para Attali, acusar a Europa dos estragos atuais na economia global “é
ridículo”. Ele vê uma estratégia para manter os EUA com o “exorbitante
privilégio” denunciado em 1968 pelo general de Gaulle, de imprimir dinheiro de
forma ilimitada para financiar seus déficits.
Na medida em que o euro toma fatias
como moeda internacional, empurra os EUA para, cedo ou tarde, ter que se
financiar no próprio euro e yuan chinês. Sua hegemonia seria
questionada.Christian Boisseau, do conselho ligado diretamente ao
primeiro-ministro, diz não acreditar em teorias conspiratórias e ataques
organizados contra o euro. Mas concorda que alguns setores políticos e fundos
de hedge “estão confortáveis com a bagunça da zona euro”.Ele lembra que nos
últimos 20 anos esse tem sido um debate recorrente no Federal Reserve, o BC
americano. No começo dos anos 90, ele ouvia dos americanos que o euro não seria
concretizado. Depois, quando foi lançado, que não funcionaria. “Hoje, se o
principal concorrente do dólar enfrenta problemas, é bom para os EUA.”O
conselheiro recorda que em 1971, quando a posição privilegiada do dólar
sobreviveu ao colapso do regime de câmbio fixo, o então secretário do Tesouro
americano, John Conolly, disse a europeus inquietos: “O dólar americano é nossa
moeda, mas o problema é de vocês (’our currency, but your problem’)”.Mas isso
tende a mudar. Boisseau nota que os EUA financiam hoje 95% de seu déficit
externo em sua própria moeda, que podem imprimir sem limites. O dólar continua
a ser a moeda de reserva internacional mais importante, com 61% das reservas
detidas pelos bancos centrais.
Essa parcela correspondia a 70% no
lançamento do euro em 1999. E, apesar de toda a crise da dívida soberana nos
últimos dois anos, a fatia do euro não caiu e continua em 27%.“O euro é um
projeto político e vai sobreviver. E o yuan chinês dentro de cinco a dez anos
vai se tornar plenamente convertível. Teremos então um sistema de três moedas
internacionais”, prevê ele. “Com isso os EUA vão ter mais problemas, terão de
se financiar também em euro e yuan, passando do exorbitante privilégio para
limitações”.Defarges, do Ifri, admite que “alguns americanos até queiram
destruir o euro, mas não as autoridades, que sabem que isso seria um desastre
também para os EUA”. Para ele, o projeto francês de impulsionar uma reforma do
sistema monetário internacional, na cúpula do G-20 em Cannes, em novembro, não
deve avançar.
