A indignada e quase raivosa reação de alguns analistas, que se
supõem portadores da "verdadeira" ciência monetária, à recente decisão
do Copom, de baixar 50 pontos na Selic, revela que, para eles, a
sacrossanta "independência" do Banco Central só é reconhecida quando
esse decide de acordo com os conselhos que eles, paciente, gratuita e
patrioticamente, lhe dão todos os dias, através da mídia escrita,
radiofônica e televisiva.
Qualquer desvio só pode ser atribuído e explicado pela "pecaminosa"
intervenção do governo que teria jogado a toalha: abandonou a "meta de
inflação" e colocou em seu lugar a "meta de crescimento do PIB", não
importa a que "custo inflacionário"...
Trata-se, obviamente, de uma acusação irresponsável, injusta e
arrogante. Irresponsável, porque colhida furtivamente de "fontes
preservadas", que podem não passar de pura e conveniente imaginação,
desmentida, aliás, pelos votos divergentes. Injusta, porque pela
primeira vez, em quase duas décadas, o Banco Central mostrou que é,
efetivamente, um órgão de Estado com menor influência do setor
financeiro privado. Arrogante, porque supõe que nenhuma outra visão e
interpretação alternativa da realidade diferente da sua possa existir.
O mundo está literalmente vindo abaixo e sugere-se que o Copom
deveria repetir o dramático erro de 2008: "Esperar para ver"! Vacilamos
quando podíamos ter reduzido a taxa de juro real. Tínhamos um pouco
menos de musculatura do que agora, mas poderíamos ter assegurado uma
redução muito menor e uma recuperação mais rápida do financiamento do
"circuito econômico". Na minha opinião (que é apenas uma opinião
impressionista), poderíamos ter crescido qualquer coisa como 2% ou 3%
em 2009, em lugar de registrar queda do PIB de 0,6% e, ao mesmo tempo,
ter reduzido dramaticamente a taxa de juros real.
As medidas fiscais e monetárias tomadas recentemente pelo governo
(nas quais, aliás, tais analistas não acreditavam) estão reduzindo a
taxa de crescimento a uma velocidade maior do que se esperava. Com o
crescimento do PIB dessazonalizado de 0,8%, do segundo trimestre sobre
o primeiro, e a enorme redução da expansão da indústria, é muito pouco
provável que o PIB do ano cresça fora do intervalo de 3% (se o
crescimento nos terceiro e quarto trimestres for zero) a 3,6% (na
hipótese pouco provável de que cresçam também 0,8%).
Mas afinal o que se espera, ainda, das taxas de juros? Que controlem
a inflação ou derrubem mais o crescimento? Todos os bancos centrais
(mesmo os que não têm isso nos seus estatutos) olham para o nível de
atividade e sabem que a política monetária tem efeitos com defasagens
variáveis. Devem olhar não apenas a taxa de inflação futura, mas também
para o ritmo de crescimento futuro. E devem ser realistas quanto às
condições físicas objetivas que levam ao altíssimo custo social de
tentar corrigir desajustes estruturais (como é o caso do ajuste
qualitativo entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho)
reduzindo o crescimento do PIB à custa do aumento da taxa de juros
real, com o que se destrói, colateralmente, o equilíbrio fiscal.
Os números externos pioram a cada dia. Na última semana de agosto:
1) no teatro de Jackson Hole, o Fed, o BCE e o Banco da Inglaterra
mostraram as suas perplexidades. O mundo tomou conhecimento da receita
acaciana de Bernanke: "Farei o que tenho que fazer", sem especificar do
que se trata. Remeteu a incerteza para 21 e 22 de setembro, na nova
reunião do Fomc; 2) as perspectivas de crescimento mundial caíram para
2,5% (com viés de baixa, contra 3,9% em 2010); 3) o crescimento dos EUA
foi reduzido a 1,4% (contra 3%); 4) a Eurolândia, com a redução do
crescimento da Alemanha, talvez para 2%; e 5) a China estima crescer
8,7% (contra 10,3% em 2010).
É hora do Brasil pôr as suas barbas de molho: 1) reforçar, como está
fazendo, o equilíbrio fiscal de longo prazo e aprovar as medidas que
estão no Congresso com o mesmo objetivo; 2) manter sob controle as
despesas de custeio e melhorar a qualidade do financiamento da dívida
interna; e 3) adotar medidas microeconômicas para corrigir os
desequilíbrios do mercado de trabalho, o que, obviamente, não pode ser
feito com manobra da taxa de juros.
Isso possibilitará ao Banco Central, diante do complicado quadro
interno e externo, prosseguir, com cuidado, mas persistência, a
necessária redução da nossa taxa de juros real, abrindo espaço para o
investimento público.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
