Um velho companheiro, tecnicamente muito bem apetrechado e
experiência prática indiscutível (comprovada por seu patrimônio), pelo
qual nutro uma amizade e respeito que vêm dos bancos da FEA-USP, desde
1946, observou que tenho exagerado quando afirmo que "a teoria
monetária que utilizam alguns competentes economistas ainda não
existe". Respondo que talvez, apenas talvez...
Quando olho para os últimos 60 anos, desde quando estudamos, eu e
ele, sob a severa vigilância do ilustre professor Dorival Teixeira
Vieira, o sólido "Money" (Robertson, D., 1948), da coleção dos
Cambridge Economic Handbooks, editada por J. M. Keynes, até o último
livro que tive a oportunidade de ler, o sofisticadíssimo "Monetary
Theory and Policy" (Walsh, C.E. 3ª edição, 2010), vejo um enorme avanço
de modelagem matemática e um tremendo acúmulo de pesquisas empíricas.
Superficialmente, pelo menos, isso deveria negar a minha afirmação.
O problema é que, no fundo, o "progresso" teórico e empírico foi apenas
a perda contínua da nossa ingenuidade: jogamos fora nossas certezas,
construindo novas que foram cada vez mais rapidamente destruídas. Esse
movimento, que tem a aparência de um avanço "científico", esconde o que
ele realmente foi: apenas um processo de substituir incertezas menores
por incertezas maiores.
A primeira ilusão destruída foi a de que podíamos controlar a oferta da
moeda (mesmo quando havia dificuldade de saber a que seria funcional
para o controle da inflação) através da manipulação dos famosos
"multiplicadores". Esses dependiam da decisão da autoridade monetária
(a fixação das reservas bancárias obrigatórias), do comportamento do
sistema bancário (a escolha da reserva "excedente" que lhe dava
conforto) e da disposição do público de dividir sua liquidez entre
dinheiro no bolso e depósito bancário.
A primeira era uma ação discricionária da autoridade, tomada
provavelmente como reação à forma que ela via a "conjuntura". As outras
duas dependiam de como o sistema bancário e os outros agentes
econômicos a interpretavam. Em poucas palavras, não era o estado da
"conjuntura" que era influenciado pela oferta de moeda, mas essa era
resultado daquele. Além do mais, havia uma dúvida razoável se a oferta
e a demanda de moeda que estabelecem a taxa de juro eram, mesmo,
independentes.
O alívio a essa incômoda situação veio de W. Poole (1970), quando
perguntou ao modelo macroeconômico então vigente (IS-LM) o que seria
melhor para a estabilização do PIB (com preços fixados): controlar a
taxa de juros ou os meios de pagamentos? Comparando as variâncias do
PIB sob os dois regimes, ele mostrou que a flutuação do PIB seria menor
com o controle da taxa de juros, o que acabou mudando toda a política
monetária.
Trabalhos posteriores foram refinando e tornando mais incerta a
conclusão simplista, principalmente numa economia aberta com câmbio
flexível. A verdade é que ainda não podemos distinguir, por exemplo, se
diante de uma alta de juros, ela é produto de um deslocamento para cima
da curva de oferta global, ou de um deslocamento para cima dos meios de
pagamentos, ou, talvez, de uma combinação dos dois.
Antes da crise de 2007-09, depois de superar a mistificação do
século - a teoria das "expectativas racionais" -, o limite superior dos
sucessivos "aperfeiçoamentos" da ciência e da política monetárias foi o
modelo estocástico dinâmico de equilíbrio geral (DSGE) matematicamente
sofisticado, mas de duvidosa utilidade, pois não incorporava o crédito.
Uma simplificação desse modelo acabou no regime de "metas
inflacionárias" construído com três equações que, implicitamente, supõe
que o Banco Central conhece, verdadeiramente, como funciona o circuito
econômico e, na prática, exige o conhecimento de variáveis não
observáveis.
Depois de 2009, houve uma nova corrida teórica e empírica para
incorporar ao DSGE os mercados financeiros, da qual o BC do Brasil
participa. Mas mesmo aqui, o processo continua ampliando o número de
variáveis não observáveis e o conhecimento de suas variâncias, como se
a "estrutura temporal" fosse invariante (ergodica) e as variâncias
conhecidas e constantes.
No fundo não se aumentou o conhecimento, mas sim o fingimento
escondido na construção imaginária de novos parâmetros com variância
estimável para o passado, mas incapazes de extrapolação para o futuro.
Trata-se apenas de uma nova versão da piada dos três náufragos, um
físico, um químico e um economista, que numa ilha deserta encontram uma
lata de feijão e precisam abri-la. O físico propõe abri-la com um golpe
de pedra; o químico propõe esquentá-la e fazê-la explodir sob a pressão
interna, ambos com riscos de perder o conteúdo. O economista logo
corrige os dois. É simples e seguro, suponham que temos um abridor de
latas...
A "ciência" monetária ainda não é. Por enquanto, é apenas um
festival de magnífica imaginação expressa em linguagem matemática. Isso
implica que devemos tomá-la com cuidado e precaução para o exercício da
política monetária, mesmo com o "dernier cri" modelo do nosso Banco
Central.
