Bancos
gananciosos, ideias econômicas inadequadas, políticos incompetentes: não faltam
culpados para a crise econômica em que os países ricos estão enredados. Mas há
também algo mais fundamental em jogo, uma falha mais grave do que a
responsabilidade de cada um desses tomadores de decisões. As democracias são
notoriamente insatisfatórias na produção de consensos críveis que exijam
comprometimento político em médio prazo. Tanto nos EUA como na Europa, os custos
dessa restrição sobre políticas econômico-financeiras ampliaram a crise - e
obscureceram a solução.
Consideremos
os EUA, onde os políticos estão debatendo sobre como impedir um duplo mergulho
recessivo, reativar a economia e reduzir uma taxa de desemprego que parece
empacada acima de 9%. Todos concordam que a dívida pública do país é muito alta
e precisa ser reduzida no longo prazo.
Embora
não haja solução fácil e rápida para esses problemas, o imperativo de política
fiscal é claro. A economia americana precisa de uma segunda rodada de estímulo
fiscal em curto prazo para compensar a baixa demanda privada, juntamente com um
programa de consolidação fiscal crível de longo prazo.
Por mais
sensata que possa ser essa abordagem em duas vertentes - gastar agora, cortar
mais tarde -, ela resulta praticamente impossível devido à ausência de algum
mecanismo pelo qual o presidente Barack Obama possa, com credibilidade,
comprometer a si próprio ou futuros governos a um aperto fiscal. Assim,
qualquer referência a um novo pacote de estímulo torna-se um convite aberto
para que a direita ataque o governo democrata por sua aparente
irresponsabilidade fiscal. O resultado é uma política fiscal que, em vez de
melhorar a situação, agrava a enfermidade econômica americana.
O
problema é ainda mais extremado na Europa. Numa tentativa fútil de conquistar a
confiança dos mercados financeiros, país após país foi forçado a seguir as
políticas contraproducentes de austeridade como preço do apoio do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Central Europeu. No entanto, exigir
profundos cortes fiscais, privatização e outras reformas estruturais do tipo
que a Grécia teve de empreender cria riscos de maior desemprego e recessão mais
profunda. Uma das razões pelas quais os spreads nos mercados financeiros
permanecem elevados é que as perspectivas de crescimento para os países da zona
euro em dificuldades parecem tão débeis.
Aqui,
também, não é difícil discernir as linhas gerais de uma solução. Os países mais
fortes na zona do euro precisam permitir que esses spreads se estreitem, ao
garantir novas dívidas de diversos países - da Grécia à Itália -, por meio da
emissão de eurobonds, por exemplo. Em troca, os países altamente endividados
devem se comprometer a implementar programas plurianuais para reestruturar as
instituições fiscais e melhorar sua competitividade - reformas que podem ser
implementadas e dar frutos apenas em médio prazo.
Mais uma
vez, porém, isso exige um compromisso crível para com um pacto que estabeleça
promessas de ação futura em troca de algo agora. Os políticos alemães e seus
eleitores podem ser desculpados por duvidar de que futuros governos gregos,
irlandeses, ou portugueses cumpram compromissos assumidos pelos líderes atuais.
Daí o impasse, e o aprisionamento da zona do euro em um círculo vicioso de
elevado endividamento e austeridade econômica.
As
democracias costumam lidar com o problema de obrigar políticos futuros a pactos
assumidos anteriormente delegando a tomada de decisões a organismos quase
independentes administrados por autoridades isoladas do dia-a-dia da política.
Bancos centrais independentes são o exemplo arquetípico. Ao colocar a política
monetária sob a responsabilidade de banqueiros centrais aos quais não é
possível dizer o que devam fazer, os políticos amarram, efetivamente, suas
próprias mãos (e, como resultado, obtêm inflação mais baixa).
Infelizmente,
os políticos americanos e europeus não conseguiram mostrar imaginação
semelhante no que diz respeito a políticas fiscais. Com a implementação de
novos mecanismos para tornar mais previsível a trajetória futura dos balanços
fiscais e da dívida pública, eles poderiam ter evitado o pior da crise.
Em
comparação com a política monetária, a fiscal é infinitamente mais complexa,
envolvendo muito mais concessões mútuas entre interesses conflitantes. Por
isso, uma autoridade fiscal independente baseada em modelo semelhante ao de um
banco central independente não é viável nem desejável. Mas algumas decisões
fiscais e o nível do déficit fiscal, podem ser delegadas a um conselho independente.
Tal
Conselho fixaria a diferença máxima entre receitas e despesas públicas à luz do
ciclo económico e dos níveis de endividamento, deixando o tamanho geral do
setor público, sua composição e as alíquotas tributárias a serem resolvidas
mediante debate político. Nos Estados Unidos, o estabelecimento um Conselho
baseado em tal modelo em muito contribuiria para restaurar a sanidade da
política econômico-financeira do país.
A Europa,
por sua vez, para que a zona do euro sobreviva, exige uma iniciativa
determinada rumo à unificação fiscal. Eliminar a capacidade dos governos
nacionais de incorrerem em grandes déficits e captar empréstimos à vontade é a
contrapartida necessária para uma garantia mútua conjunta de dívidas soberanas
e termos razoáveis para a tomada de empréstimos hoje.
Mas isso
não pode significar que as políticas fiscais da Grécia ou da Itália, por
exemplo, venham a ser comandadas de Berlim. Uma política fiscal comum implica
que os líderes eleitos na Grécia e na Itália teriam, também, o direito a
manifestarem-se sobre as políticas fiscais alemãs. Embora a necessidade de
unificação fiscal seja cada vez mais reconhecida, não está claro se os líderes
europeus estão dispostos a encarar de frente a exigência última de lógica
política. Se os alemães não forem capazes de aceitar a ideia de compartilhar
uma comunidade política com os gregos, terão de concluir que a união econômica
está praticamente morta.
A
política, costuma-se dizer, é a arte do possível. Mas as possibilidades são
moldadas tanto por nossas decisões como por nossas circunstâncias. Dado o atual
estado de coisas, quando as futuras gerações considerarem nossos líderes sob
perspectiva histórica, provavelmente os censurarão, sobretudo, por sua falta de
imaginação institucional. (Tradução Sergio Blum)
Dani
Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade de
Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future
of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da
economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2011.
