A macroeconomia neoclássica contemporânea surge no início dos anos 70, a partir da incorporação explícita da chamada Hipótese das Expectativas Racionais (doravante HER) nos seus modelos. A força dessa idéia, que postula um tipo específico de racionalidade dos agentes, parece ter contribuído decisivamente para os novos rumos da macroeconomia mainstream desde então. E são duas as vertentes que emergem daí, a novoclássica e a novokeynesiana. É nosso objetivo nessa nota analisar certos aspectos dessa macroeconomia, investigando fundamentos de suas distintas vertentes e pontuando algumas de suas semelhanças e divergências.
Sobre a macroeconomia novoclássica
A ampla aceitação da HER no âmbito da teoria economia dominante, longe de ser surpreendente é, sim, coerente com o esforço de dotar a macroeconomia dos fundamentos microeconômicos neoclássicos (Klamer, 1988). Isso por supor que os indivíduos não abandonam um comportamento maximizador: com base no estoque de informações disponíveis e em seu entendimento de como funciona a economia, os agentes formulam a melhor expectativa possível sobre o comportamento futuro de determinada variável. E pode-se perceber a analogia entre construir expectativas racionais e maximizar lucro e/ou utilidade.
Abaixo temos uma apresentação formal da HER:
p*t = Et-1 (p t | I t-1) ,
sendo p*t a expectativa da variável pt formulada no momento t-1 , dado o estoque de informações disponíveis em t-1, (I t-1). O agente que formula suas expectativas com base nesse critério, dito “racional”, não necessariamente irá acertar suas previsões, mas prevê um erro nulo (et =0). Se o agente processa a totalidade de informações disponíveis de maneira eficiente, a probabilidade que atribui à ocorrência do fenômeno é idêntica à probabilidade real de sua ocorrência.
Mas se a HER é “apenas” mais um elemento da microfundamentação da macroeconomia, por que lhe é atribuída a responsabilidade pelos novos rumos da teoria a partir da década de 70? Em certo sentido, a HER ocupa “injustamente” o centro das atenções no debate. Isso porque as discordâncias, no âmbito do mainstream, não giram fundamentalmente em torno de sua validade. Concentram-se, isso sim, no pressuposto de market clearing dos modelos novoclássicos e nas proposições que daí se derivam com o apoio da HER, sobretudo no que diz respeito à neutralidade da política monetária já no curto prazo, recolocando a tradicional dicotomia clássica entre fenômenos reais e monetários. Rigorosamente, em modelos novoclássicos podem ser verificados efeitos reais de curto prazo decorrentes de variações monetárias. Tais efeitos são creditáveis a alguma “falha no modelo” (processamento da informação), à informação imperfeita ou a custos de ajustamento. Nesse sentido, a dicotomia clássica entre os lados real e monetário não está sempre garantida:
“Embora a abordagem enfatizasse teorias do equilíbrio completamente elaboradas, a análise tencionava explicar as flutuações econômicas do mundo real… [as quais] tinham que refletir distúrbios reais ou monetários, cujos efeitos econômicos dinâmicos dependiam dos custos de obter informação, custos de ajustamento, e assim por diante.” (Barro, 1992:4)
Se, no início dos anos 70, os modelos novoclássicos exploravam exaustivamente o papel dos choques monetários, analisando sua propagação em função de problemas como informação imperfeita e mercados descentralizados, essa temática e esses “problemas” foram sendo descartados e substituídos por mercados competitivos, maximização explícita dos agentes e firmas representativas. À medida que se “depurava” o modelo, a dicotomia real-monetário emergia e a macroeconomia, rigorosamente, desaparecia. Nesse momento, temas como crescimento e aprendizado ganhavam espaço na agenda. (Blanchard, 1992)
É fato que a dicotomia real-monetário, ainda que não seja um resultado sempre garantido, ganha maior “espaço”, desde o início, na abordagem novoclássica, relativamente ao que tinha no modelo monetarista tradicional. Se fosse possível fazer o exercício de substituir diretamente as expectativas adaptativas pela HER na teoria da renda monetária de Friedman, teríamos como resultado a neutralidade da política monetária e o restabelecimento da dicotomia já a curto prazo. Nesse contexto, aceitando-se a HER como parte integrante de um modelo neoclássico e coerente com este, não mais se poderá creditar à ilusão dos agentes quanto às conseqüências da política monetária os efeitos reais sobre o produto, posto que o erro da previsão é aleatório, e não mais sistemático.
A partir dessas reflexões, somos levados a concordar com Klamer (1988), para quem a especificidade da teoria novoclássica deve ser procurada num plano mais geral: a economia novoclássica definiria um novo estilo, uma nova linguagem, que exige precisão e obediência aos princípios microeconômicos de otimização, aliada à noção de equilíbrio geral: “A hipótese de expectativas racionais é um elemento de seu estilo, a suposição de preços de equilíbrio de mercado é outra.”(Klamer, 1988:249) Nesse contexto, a concorrência perfeita é vista como estrutura de mercado necessária e desejável, dada a tendência de ajuste rápido e ótimo frente a um choque e sua suposta capacidade de maximização de bem-estar.
Sobre a macroeconomia novokeynesiana
A abordagem novokeynesiana, por sua vez, surge como resposta aos problemas tanto da macroeconomia keynesiana tradicional (a da síntese neoclássica), tal como apontados pela teoria novoclássica, quanto da insuficiência desta última. Segundo os novoclássicos, o “velho keynesianismo” era carente de microfundamentos e de uma hipótese (razoável) de formação de expectativas, elementos que passam a ser incorporados na abordagem novokeynesiana. De outro lado, os resultados tradicionalmente apresentados pelos modelos novoclássicos - a respeito do desemprego e da eficácia da política monetária - estimularam novas respostas keynesianas, por afrontarem nitidamente suas proposições fundamentais. A premissa básica sobre a qual se assentará a nova abordagem, em oposição à economia novoclássica, é de que as economias modernas devem ser vistas como imperfeitamente competitivas.
Greenwald & Stiglitz (1993) apontam duas grandes linhas no âmbito da abordagem novokeynesiana. A primeira ressalta a rigidez de preços (inclusive salários) como elemento fundamental para o desvio do mercado em relação ao equilíbrio walrasiano. Não fosse isso, haveria um ajustamento rápido aos eventuais choques, mantendo a economia sua trajetória de pleno emprego e eficiência. A partir daí, a principal tarefa para os membros dessa escola era procurar explicar adequadamente os fenômenos microeconômicos que redundavam na “macroeconomia de espírito keynesiano”: a que constata desemprego involuntário e ausência de dicotomia clássica entre fenômenos reais e monetários.
Essa abordagem, sem se distanciar completamente da vertente novoclássica, credita os resultados distintos que ambas obtêm em seus modelos fundamentalmente ao fato de não se assentarem sobre as mesmas estruturas de mercado: concorrência perfeita é a estrutura típica dos modelos novoclássicos, mas é a concorrência imperfeita que caracteriza os novokeynesianos. De outro lado, e como já mencionado antes, representa uma espécie de seqüência do programa de pesquisa dos “velhos keynesianos”. Para estes, a dicotomia real-monetário rompia-se porque os preços, notadamente os salários, não se ajustavam. Essa rigidez de salários impedia a restauração do equilíbrio, no sentido mais rigoroso do termo, após um choque monetário. Mas, diferentemente do trabalho de seus predecessores, nos quais havia uma hipótese arbitrária de salários rígidos, os novos keynesianos dessa linha têm se dedicado a explorar quais seriam as origens da rigidez de salários e preços, responsável pelo desemprego involuntário e ruptura da dicotomia clássica.
A segunda linha de pesquisa apresenta algumas diferenças importantes quando comparada à primeira. Compartilhando de premissas básicas da abordagem novokeynesiana - inexistência de market clearing e existência de informação imperfeita - essa vertente muda o enfoque acerca do que constitui o problema de pesquisa fundamental. Sua análise sugere que a rigidez de preços que se verifica em mercados imperfeitamente competitivos não é mais o único problema, e talvez nem seja o principal. A economia tenderia a apresentar volatilidade mesmo se os preços se ajustassem a um choque monetário. A ruptura da dicotomia “liberta-se”, por assim dizer, da necessidade de preços rígidos, o que torna mais nítido o afastamento dessa vertente novokeynesiana relativamente à abordagem novoclássica e ao “velho” keynesianismo da síntese. Como se processa esse afastamento? Conforme Greenwald & Stiglitz (1993:42-3):
“o foco deve estar em como as imperfeições na informação limitam e, algumas vezes, chegam a eliminar os mercados que distribuem risco nas economias modernas; como essas imperfeições de mercado servem para amplificar os choques que as economias enfrentam e fazer com que seus efeitos persistam; e como, quando transferidos para o mercado de trabalho e combinados com falhas de informação e outros problemas nesse mercado, podem levar ao surgimento de elevados níveis de desemprego.”
Rigidez nominal e real de preços e salários: tópicos de uma agenda novokeynesiana
A literatura novokeynesiana faz distinção entre rigidez de preços reais e nominais. Por que existiria a chamada “rigidez real”, na qual destaca-se a rigidez de salários? Romer (1993) menciona uma série de teorias que procuram explicar esse fenômeno, partindo não mais da concorrência perfeita, mas sim de hipóteses mais “realistas” acerca do comportamento do mercado. A existência de rigidez real de salários é responsável pelo desemprego involuntário, isto é, pelo desequilíbrio do mercado de trabalho. Os modelos que procuram explicá-la estariam enfrentando diretamente essa questão, qual seja, por que os salários reais não se modificam quando, em decorrência de um choque monetário, varia a demanda pelo produto da firma .
Nos modelos de early implicit contracts, a rigidez de salários é explicada como um meio para prover segurança aos trabalhadores quanto à manutenção de seu padrão de vida em termos reais, e não como uma variável que deve ajustar (clear) o mercado de trabalho. Já nos modelos de “salário-eficiência”, os salários reais afetam diretamente a produtividade do trabalho. Quais os motivos? Salários maiores atrairiam trabalhadores mais qualificados, ou estimulariam os esforços dos trabalhadores ou, ainda, reduziriam o turnover (rotatividade) e os custos associados à contratação e treinamento dos novos funcionários. Entendendo que, por um ou vários desses motivos, a perda de produtividade seria maior que o ganho com a redução de salários, a firma não os reduz ao enfrentar uma queda em sua demanda: o mercado de trabalho não se ajusta e o desemprego involuntário emerge.
Em modelos de “barganha”, os salários são o meio pelo qual os lucros (rents) obtidos são divididos entre a firma e os trabalhadores, explicitando que as firmas detêm certo poder de marcar preço no mercado de bens, enquanto os trabalhadores têm o de fixar salários no mercado de trabalho. Por que teriam os trabalhadores tal poder? A abordagem de insider-outsider ajuda a explicar: entende que os trabalhadores já empregados (insiders) desfrutam de uma posição de “monopólio” no mercado de trabalho: por conta da experiência que possuem e dos custos de rotatividade e treinamento, torna-se cara a sua substituição pelos outsiders, mesmo que esses possam ser contratados por um salário real menor. O ponto central é que, por qualquer dos motivos acima levantados, a firma tende a não pagar aos trabalhadores salários reais que equilibram o mercado de trabalho: a perda com a redução dos salários em períodos de queda na demanda seria maior que os ganhos que a redução salarial porventura traria.
Além da rigidez real de salários, a agenda novokeynesiana tem pesquisado por que os preços de outros insumos (que compõem o custo marginal da firma) não se ajustariam às variações na sua demanda, e por que a elasticidade dessa demanda modificar-se-ia em decorrência de um choque. Isto é, tem-se investigado outras causas de rigidez real. Romer (1993) menciona, primeiramente, uma linha de pesquisa que investiga a existência de economias de escala derivadas de thick market externalities. Em épocas de crescimento econômico, a amplitude e a profundidade dos mercados diminuiria o custo das transações, em sentido amplo, de insumos e produtos. E o inverso aconteceria em períodos de depressão. Isso levaria a um comportamento anticíclico do custo marginal.
Outra linha de investigação mencionada analisa as imperfeições do mercado de capitais, partindo da hipótese de que há assimetria de informações entre credores e devedores. Dado que é nos períodos de recessão, por gerarem um volume menor de recursos internamente, que as firmas têm que recorrer ao financiamento externo, as imperfeições do mercado de crédito tornam o custo de capital, parcela do custo total, contracíclico.
Uma terceira área de investigação foca o comportamento cíclico da elasticidade da demanda no mercado de bens: thick market externalities, por exemplo, poderiam explicar porque a elasticidade da demanda responderia pró-ciclicamente à variação do nível de atividade. Em fases de crescimento, a maior disseminação de informações, por parte das firmas, a respeito dos inúmeros produtos disponíveis (potenciais substitutos para os produtos de uma firma em particular), e os menores custos para que os consumidores tomem conhecimento dos mesmos, pode fazer com que a elasticidade da demanda pelo produto da firma em questão aumente, ocorrendo o contrário em períodos recessivos. E se a elasticidade da demanda pelo seu produto diminui quando o nível de atividade declina, será menor o incentivo da firma para reduzir seu preço (relativamente ao incentivo para reduzi-lo caso a elasticidade da curva não tivesse se modificado).
Discutimos, até aqui, por que se verifica e qual a importância da chamada rigidez real de preços. Em outras palavras, analisamos os motivos pelos quais o custo marginal e a receita marginal da firma não se modificam na exata proporção da variação na demanda pelo seu produto. Mas o fato é que, no entender dos novokeynesianos da “primeira corrente”, rigidez real não é suficiente para romper a dicotomia clássica. Frente a um choque monetário, a resposta de um mercado onde exista apenas rigidez real é uma variação proporcional em todos os preços nominais. Não se modificando a estrutura de preços relativos, não há impacto sobre o nível de produto e emprego agregados. Assim, algum tipo de rigidez nominal de preços é necessária para explicar variações no produto em decorrência do choque inicial.
A partir daí, a pergunta que se impõe é: qual o incentivo de uma firma em concorrência imperfeita para modificar seu preço em virtude de uma modificação na demanda por seu produto? De acordo com Romer (1993), se o incentivo para a firma ajustar o preço é pequeno e existem fricções, não ajustar o preço seria, em certo sentido, um “equilíbrio”. Se, contrariamente, o incentivo para ajustar for grande, todos o farão.
Mas do que dependerá, efetivamente, esse incentivo da firma para modificar ou não o preço? Primeiramente, da existência de rigidez real e seu impacto sobre o preço de maximização de lucro. A partir daí, trata-se de avaliar o custo de manter um preço real que se distancie do preço de maximização. Nas palavras de Romer, o incentivo para modificar o preço é função de dois fatores: “o impacto da variação no preço real que maximiza o lucro da firma, e o custo para a firma de deslocar seu preço real do nível de maximização de lucro” (1993:11).
Isolando-se a questão da rigidez real, pergunta-se quais seriam, enfim, os obstáculos à flexibilidade dos preços nominais. A literatura que trata do tema apóia seu argumento, basicamente, em alguma variante dos chamados “custos de menu”. Abordagens mais amplas dos “custos de menu” entendem que os custos efetivos de alterar preços transcendam a mera troca de etiqueta nos produtos, ou a impressão de novos “cardápios”. Inclui-se, também, toda a série de custos envolvendo a decisão a respeito da conveniência, ou não, de modificar os preços em virtude de um deslocamento da demanda: custos de elaborar e avaliar estudos sobre os impactos desta modificação de preços, custo de explicar aos consumidores a política de preços da firma etc. Nesse contexto de “expansão” do entendimento do que sejam os “custos de menu”, Romer (1993) menciona a abordagem da “quase racionalidade”, que contribuiria para reforçar o argumento de que as barreiras ao ajustamento de preços não precisam ser puramente tecnológicas.
Tópico “alternativo” da agenda novokeynesiana: o ajuste da firma avessa ao risco
Ainda no campo dos aprimoramentos que os novokeynesianos têm feito na busca de microfundamentos para a macroeconomia, cabe apresentar, sucintamente, o approach adotado pelos novokeynesianos da “segunda vertente”. Sua proposta de investigação, alternativa à abordagem que investiga diretamente as causas da rigidez nominal de preços, emerge a partir do suposto de que o comportamento das firmas é de aversão ao risco, o que condiciona sua forma de “ajustar-se”.
Quando a economia está em recessão, por exemplo, o risco de produzir aumenta, e o desejo e a capacidade da firma de enfrentar riscos diminui - porque, por exemplo, a firma vê reduzido o fluxo de caixa necessário para repagar as dívidas que contrai e tendem a crescer em fases recessivas. Uma reação natural das firmas, nesse contexto, é contrair a oferta para um dado nível de preços, amplificando o choque inicial. Manter o preço e reduzir a produção tende a ser a reação da firma avessa ao risco em face de um choque monetário contracionista.
O argumento se reforça se for levado em conta o comportamento dos bancos que, também avessos ao risco e num contexto de assimetria de informações, tendem a elevar as taxas de juros e racionar o crédito, magnificando os efeitos negativos do choque inicial. Para Greenwald & Stiglitz (1993), sua “teoria do ajustamento da firma avessa ao risco”, ao prover uma explicação para rigidez de preços em períodos de depressão, pode ser vista como um tipo particular de teoria de “custo de menu”, a qual enfatiza o risco de reajustar preço, mais do que o “custo real” de fazê-lo.
Comentários finais
Para finalizar sublinhamos, uma vez mais, a importância dos microfundamentos e da Hipótese das Expectativas Racionais para a macroeconomia mainstream, a partir dos anos 70. Contudo, e no que diz respeito à própria questão dos microfundamentos, deve-se apontar uma diferença importante entre a construção teórica de novoclássicos e novokeynesianos. Os primeiros partem do agente microeconômico –que, em concorrência perfeita, maximiza lucro, utilidade e informações - para construir a macroeconomia. E é por isso que acabam chegando muitas vezes, a resultados que apontam para a inexistência de problemas macroeconômicos, como o desemprego involuntário e a não neutralidade da moeda.
De outro lado, e adotando caminho inverso, os novokeynesianos partem da constatação de que existem problemas macroeconômicos, tal como já apontavam os “velhos keynesianos”. A partir daí os novokeynesianos submetem os microfundamentos à macroeconomia, e não o contrário. O desafio teórico passa a ser investigar problemas como rigidez de preços e salários e/ou imperfeição de informações, os quais, numa estrutura de concorrência imperfeita, impediriam o perfeito funcionamento dos mercados, desviando a economia do seu equilíbrio walrasiano.
